quinta-feira, 22 de outubro de 2015

sado-masoquismo

por vezes, mais não somos do que um disco riscado, forçando a todo o custo o deslizar inflexível de uma agulha que teima em distorcer a sonoridade.

por vezes a vida reveste-se da secura de um som que não queremos ouvir
e os nossos dedos assumem a fisionomia disléxica, diante um piano, no qual insistem em tocar na mesma tecla.

over and over again.

não estamos para melodias chorosas, nem compassos transgressores aos hinos triunfantes.

estamos , para fazermos a música que queremos ouvir.
para dançarmos ao som daquilo que nos exalta a vida, saída do recôndito das entranhas
para fazer dos risos diários do que nos faz bem, e de quem nos quer bem, a essência primária do ritmo que nos faz viver.

nem que a tua música mais não seja, do que a paz das coisas quietas.

do que a paz.


 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Chamem-lhe azedume feminista

Muito provavelmente habita uma acérrima feminista dentro de mim.
E não é coisa só de agora.
Li a crónica da Clara Ferreira Alves, no Expresso desta semana e de facto, não houve uma vírgula da qual tivesse discordado.
Porque há coisas que dão muito que pensar e há coisas que são teoria, balelas atiradas ao vento, porque quando vem a questão prática, o caso muda de figura.
Nesse texto, pode-se ler tantas coisas verificadas na prática realística do quotidiano, tais como o facto da "... mulher ser raramente levada a sério, é mais escrutinada, discriminada, combatida, facilmente eliminada (...) uma mulher pode ser feia, velha, maluca, enquanto que um homem pode ser interessante, maduro, inteligente.
Um canalha torna-se um tipo complicado.
Numa lista de prestígio de 100 pessoas, 90 são homens e o resto é quota.
(...)sou contra as quotas e a favor do mérito. As mulheres precisam de autoconfiança e tempo livre, precisam de uma vida intelectual, que a maternidade, a dependência financeira e a vida doméstica não autorizam.
As mulheres têm instintivamente medo da ascensão porque sabem que implica um cortejo de insultos e ofensas físicas e morais, propagadas por mulheres que odeiam as mulheres e por homens que não respeitam as mulheres.  (...) em compensação, semana sim, semana não, uma mulher é assassinada em Portugal. Nessas notícias não falta o elemento feminino."   
Observo demasiado o que se passa à minha volta, por vezes sem ser necessário o mínimo esforço de compreensão ou fina astúcia. Trata-se de situações, umas mais banais do que outras, que instantaneamente revelam o lado negro da fragilidade.
E em muitos casos não se tratará necessariamente do aspecto frágil de um carácter feminino que se subjuga e resiste a uma intempérie agressiva de situações, mas sim de uma sensibilidade extrema, de um sentimento de vergonha tal, que conseguem converter essas rudes ocorrências, em poeiras atiradas para debaixo do tapete. Resta saber por quanto tempo.
Essa opressão, esse trato, essa desconsideração são eles sim, o lixo emergente de uma vida naufragada.

E respeito.
Respeito precisa-se.





                              
     
     
 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

a supremacia do dom

às vezes ouço pessoas a dizerem-me que tenho dom para isto ou aquilo.
fico contente, claro, agradeço, mas questiono-me de mim para mim, sobre toda a complexidade que o substantivo abarca. Que não se confunda com o "ter-se jeito para", porque a meu ver, ter-se jeito é uma coisa e ter um dom será outra : o que as distingue é a grandiosidade dos efeitos que provocam.

quando o resultado daquilo que é feito, me transmite essa exímia sensação de grandiosidade, aí eu admito que estou perante alguém que tem um dom.
isto tudo para dizer que: há uns tempos atrás, encontrei a estrutura de uma cadeira no lixo. Bastante maltratada, mas ainda assim deixava antever o quão bonita foi, numa juventude em que ainda era cadeira útil e atraente.
tenho jeito para conseguir ver, além daquilo que os meus olhos me transmitem.
e ainda bem.
tal como ainda bem que existem pessoas que conseguem dar excelentes segundas oportunidades de vida, àquilo que outros não souberam dar o merecido valor.
não tenho fotografias do antes, mas acreditem que era muito mau.
agora o que me interessa é aproveitar o depois. E o depois, lá está, transmite-me a tal grandiosidade que só os dons conseguem transmitir.






 o dom de transformar o lixo de uns, nos tesouros de outros.
Por isso, deixo aqui a dica, pessoas de Lisboa, arredores ( e não só), se querem ver mobiliário antigo a ganhar uma nova vida, é este o sítio, as mãos, a delicadeza e, lá está, o dom.